Lição 11 - O Legado Histórico da Reforma

"E sujeitou todas as coisas aos seus pés e, sobre todas as coisas, o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos" - Efésios 1.22,23
Texto Bíblico Básico: Colossenses 1.3-6; 9-14
UM OLHAR PARA O LEGADO HISTÓRICO DA REFORMA PROTESTANTE
Quando falamos em Reforma Protestante, não estamos falando apenas de um evento pontual na história do mundo europeu, nem de um movimento religioso revolucionário, mas sim, de um marco histórico, influenciado e influenciador de múltiplos fatores, que tornaram inevitável não só uma reforma religiosa, mas também política, social, intelectual e econômica a nível mundial.
Resultado de imagem para martinho luteroA partir dos escritos e ensinamentos de reformadores como o inglês John Huss; o alemão Martim Lutero e o francês João Calvino, – estes baseados somente na Escritura, na Graça, na Fé e em Cristo - e de suas atuações frente os reis e príncipes protestantes, a Reforma contribuiu e muito na transição da Idade Média para a Idade Moderna; do sistema feudal para o sistema industrial; do domínio Imperial, para a atuação autônoma das nações-estados; de uma sociedade hierarquizada e categorizada, para uma sociedade livre e atuante na vida pública, privada e religiosa.
Para Lutero estava claro. Em seu escrito sobre a “Liberdade Cristã”, ele diz de forma audaciosa e responsável logo na primeira página: “Um cristão é uma pessoa livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém” e ao mesmo tempo, “uma pessoa serva e prestativa em todas as coisas e está sujeita a todos” Em outras palavras, somos livres de tudo e de todos pela fé, mas servos de tudo e de todos pelo amor.
Liberdade com responsabilidade. Eis uma característica da vida democrática. Eis um princípio que levou Lutero e demais reformadores a promover transformações na sociedade de sua época, influenciando o jeito de ser e de viver a fé e a vida em sociedade até os nossos dias.
Quero aqui, pontuar 3 aspectos bem práticos a partir de Martin Lutero, que elevam esta reflexão para além da fé. Porém, aspectos que não seriam possíveis de colocar em prática, se não fosse a fé consciente, comprometida, e incessante de Martim Lutero.
• EDUCAÇÃO: Para Lutero, a alfabetização e a promoção do conhecimento para todas as pessoas, e não só para os nobres e clérigos, deveria ser também um compromisso político e público. Cada cidade deveria ter suas escolas, dizia ele. Tal ênfase na educação foi tão marcante, que ao chegarem ao Brasil, os primeiros alemães luteranos diziam: “ao lado de cada igreja, uma escola”.
Nos EUA, a universidade protestante de Harvard também é um exemplo. Para o reformador, a educação promove a cidadania, estimula mentes pensantes e questionadoras, além de capacitar as pessoas a serem bons profissionais, pais e mães de família, governantes. Como Lutero conseguiu tal façanha no século XVI? Com a utilização da imprensa de Gutenberg. Ao traduzir a Bíblia para a língua do povo alemão, esta foi usada para alfabetizar as pessoas e daí, sem qualquer pretensão, se formatou o que hoje nós conhecemos como língua alemã oficial.
• ECONOMIA: Neste âmbito, Lutero revolucionou. Para ele, “toda profissão precisa ser exercida como uma vocação”. Não só o sacerdote é vocacionado por Deus em seu serviço, mas todo cristão é vocacionado a servir ao próximo por meio de sua profissão. Eis aqui o princípio que ele cunhou como “sacerdócios geral de todos os crentes”. Ou seja, para o bem comum, para o progresso da polis (cidade), e para que a economia (lei da casa) fosse exercida com justiça, sem usura, ganância e corrupção, era preciso atuar de forma vocacionada. Só assim, diz ele na explicação dos 10 mandamentos, é possível não só evitar o mal contra o semelhante, mas também promover vida, justiça e paz, seja na família, na sociedade ou na igreja. Se hoje consideramos o trabalho como algo que dignifica o ser humano, e temos teste vocacionais para as diferentes áreas profissionais, isso é graças à Martim Lutero.
• POLÍTICA: Lutero como vimos, acabou com a ideia hierárquica de estamentos e estruturas sociais imóveis. Para Lutero, os estamentos (privado, público e religioso ou povo, Igreja e Estado), possuem caráter funcional e instrumental. Em seus escritos o reformador não defende nem a união entre Igreja e Estado e nem a separação total entre Igreja e Estado. Lutero trilha o caminho do meio e tem uma compreensão mais harmoniosa e complementar. Para ele a Igreja proclama a vida, a Economia (agir particular de cada pessoa em seu espaço de trabalho), nutre e constrói a vida e o Estado protege a vida.
 Em seu livro sobre o cântico de Maria, o Magnificat, Lutero recomenda ao príncipe Frederico, duque da Saxônia “O bem-estar de muita gente depende de um governante tão importante, quando ele é governado pela graça de Deus. Por outro lado, dele depende a desgraça de muitos, quando ele se volta para si próprio”. Lutero não queria que espaços políticos fossem utilizados em benefício nem de pessoas e nem de sua própria Igreja. Para Lutero, o fim último de uma governança política estava em fazer o bem ao povo. Como diria o destacado filósofo grego, Bias de Priene, “O exercício do poder revela o tipo de pessoa que alguém é”. Por isso, Lutero diz no Magnificat, “Não lembro nada nas Escrituras que sirva melhor para este caso do que o cântico de Maria. Todos os que querem governar bem e ser boas autoridades, devem aprender bem e guardar na memória este cântico”, pois ali Deus humilha os fortes e fortalece os humildes.
• Por fim, para não falar demais sobre política, o professor Lauri Wirth, ensina sob a perspectiva luterana que “a necessidade do próximo é o critério para julgar qualquer sistema e o espírito que sustenta e move as ações na sociedade”.
Aqui eu ainda poderia falar de outras tantas mudanças e transformações sociais promovida e influenciadas pela Reforma Protestante. Conhecer a história da Reforma é conhecer a origem da nossa própria história moderna e democrática.
Celebrar 500 anos de Reforma Protestante é, portanto, celebrar a história de homens e mulheres que não abdicaram de suas responsabilidades na sociedade. Que não se fecharam em seus guetos religiosos por causa de sua confissão de fé. Pelo contrário, por causa da Fé confessaste que tinham, se viram como protagonistas de um mundo melhor. Nem tudo deu certo é verdade. Nem tudo são flores, com diz o ditado popular.
A livre interpretação da Bíblia e o livre pensar trouxeram consequências. O cristianismo se fragmentou demasiadamente. A própria democracia mostra sua fragilidade em nosso tempo. As desigualdades sociais e os preconceitos ainda existem. O capitalismo idealizado pelos protestantes se tornou selvagem. A educação pública também tem seus desafios frente as diversas intensões ideológicas e político-partidárias que muitas vezes procuram seus próprios interesses em vez da promoção de conhecimento visando o bem comum e o desenvolvimento de nossa casa comum.

OS PILARES DA ESPIRITUALIDADE REFORMADA

Quando a Reforma irrompeu em 31 de outubro de 1517 da mão de Martinho Lutero, a igreja não apenas representava, como hoje, a dimensão do religioso. Ela representava o corpo publico, dela fluíam as formas e maneiras como se organizava a vida aqui e agora. Por isso, quando a Reforma começou acontecer teve um impacto em absolutamente todas as dimensões da vida: desde os mosteiros ate os palácios, desde o campo ate a cidade, desde a religião ate a política, cultura, arte, jurisprudência, conceito do ser humano, cosmovisão etc. Tal foi a força da Reforma na historia que não é exagero colocá-la com uma das fontes da modernidade. Considerando isto, desde o ponto de vista religioso podemos destacar três aspectos centrais da Reforma Protestante:
A Reforma como um encontro com Deus: a Reforma não surgiu de um diagnostico da realidade social, política ou religiosa. Ela surgiu de um encontro com Deus: o monge Lutero e sua culpa alcançado pelo Deus de Graça. Aqui esta a gênese da Reforma. Por tanto, no centro da Reforma se localiza, não o perspicaz e temperamental Lutero, mas sim um homem quebrantado sob a grandeza da graça divina, um encontro pessoal com Deus, um redescobrimento de Deus. Foi esta experiência que abriu os olhos de Lutero para perceber a decadência da causa de Deus no mundo.
A Reforma como um encontro com o evangelho: a pedra angular de todos os movimentos de renovação e avivamento da obra cristã é o redescobrimento de verdades esquecidas das Escrituras. Depois do seu encontro com Deus a primeira coisa que Martinho Lutero percebe é que a Igreja como instituição, tinha adquirido a primazia sobre o evangelho. Também percebe que era uma igreja onde se evidenciava a primazia do misticismo sobre o evangelho. Quando Lutero compreende a justiça que se revela por fé e para a fé, pela primeira vez percebe a imperiosa necessidade de reformar a igreja devolvendo a primazia do evangelho sobre todas as coisas. Na dieta de Worms, em 1521, Lutero sintetiza isto dizendo a rei: minha consciência está cativa ao evangelho.
A Reforma como um reencontro com a soberania de Deus: o tema central da Reforma é a soberania de Deus. Para os reformadores, Deus é a fonte de toda existência e dispõe das suas criaturas como lhe praz. O celebre intelectual Voegelin costumava falar do “Deus implacável de Lutero e Calvino”. Os reformadores sintetizam esta verdade na máxima “Somente a Deus a Gloria”, querendo dizer que o cristão deverá, como toda a criação, se deleitar em Deus e viver para sua gloria como seu supremo objetivo.
Juntamente com sua significação religiosa, a Reforma também trouxe mudanças profundas que forjaram aquilo que depois viria ser chamado de modernidade e que pelo breve espaço quase que apenas as sumariamos. Vejamos alguns eventos que a Reforma propiciou:
A Reforma propiciou o enfraquecimento da igreja e o fortalecimento do Estado: com o enfraquecimento da ICAR como corpo publico esta começou a ser substituída pelo Estado. Juntamente, a religião começou a ser substituída pela política para finalmente acabar transformando a política numa religião. Para alguns o fortalecimento do Estado pode ser algo virtuoso, para outros uma tragédia. Vai depender desde que ponto de vista façamos um juízo de valor; mas foi a Reforma que catalisou a formação e o avanço do Estado Moderno.
A Reforma propiciou o surgimento de um homem novo: para os reformados, aqueles que se salvam são os predestinados. Estes descobrem seu propósito para qual foram criados: deleite em Deus e a Glória de Deus. Por isso submetem e transformam o mundo para a glória de Deus pelo trabalho infatigável, sistemático e disciplinado. Assim, a verdadeira fé é verificada e autenticada pelo sucesso da ação do crente.  Surge assim um homem diferente ao homem medieval, que não teme as mudanças, antes trabalha para suscitá-las, que age no mundo transformando-o e que o adéqua para um fim: a Gloria de Deus e a autenticação da sua predestinação. Desta ética surge a corrente filosófica do Pragmatismo. Quando com o passo do tempo a busca por eficácia se separou do aspecto religioso, ficou apenas aquela busca incessante do homem moderno por sucesso, o homem pragmático e de ação que adéqua o mundo pára seus próprios fins, tão característico do homem ocidental.
A Reforma propiciou o terreno adequado para o surgimento da democracia: os presbiterianos reformados estavam voltados para o governo representativo, os reformados congregacionalistas eram democracias religiosas e os calvinistas e puritanos ingleses praticavam o consenso e o pacto (covenant) como forma de organização social. Estas formas de organização religiosa forjaram o ambiente ideal para o surgimento da democracia moderna.
A Reforma propiciou a liberdade de consciência: Para Lutero, o cristão, liberado do pecado, de si mesmo, de toda coerção exterior, de todo dever baseado em leis e preceitos é inteiramente livre em sua consciência e não depende de nada exterior. Para o cristão sua fé é suficiente. Suas ações não são resultado da sua obediência, mas de uma vontade regenerada. Como fruto desta liberdade, Lutero conclui que: ninguém pode ser obrigado a crer contra sua consciência, ninguém pode mandar na alma, somente Deus; todos os cristãos são iguais para compreender a Palavra de Deus, para isso basta crer. Quando na modernidade este conceito se separa da sua matriz religiosa aparece o homem que se levanta como critério da sua própria certeza.
Em esta breve relação de consequências da Reforma, percebemos um movimento concêntrico: Deus mudando um homem para mudar a igreja que por sua vez mudará o mundo. É intrigante perceber que na historia da renovação da igreja Deus sempre usa este método. Em Josué 4.21-24 lemos que Deus disse: quando no futuro os vossos filhos perguntarem o que significam estas pedras? Respondereis: Israel passou em seco este Jordão. Na celebração de 500 anos da Reforma a melhor homenagem que podemos fazer é nos perguntar sobre o significado de tudo que aconteceu. Descobriremos quão semelhante era a igreja e o mundo que os nossos pais na fé quiseram renovar com a igreja e o mundo que temos hoje diante de nós. Então ficará a pergunta em nosso intimo: estamos a altura da clareza, coragem, ousadia, preparo dos que nos precederam na fé para empreender essa saga que tudo transforma? Deus queira que sim!
A Reforma tomou proporções inimagináveis, alcançando diversas partes do mundo. Neste ponto deve ser mencionado que a Reforma de forma alguma foi um movimento humano, mas divino, operado pelo Espírito Santo de Deus, que moveu homens dispostos a proclamar as verdades bíblicas a qualquer custo, nem que isto os levasse à morte, como de fato aconteceu. Alguns destes homens foram: John Wycliffe (1324-1384) e John Hus (1372-1415), os precursores da Reforma; Martinho Lutero (1483-1546) e Ulrico Zuínglio (1484-1531), os Reformadores da Primeira Geração; João Calvino (1509-1564), Philip Melanchthon (1497-1560) e John Knox (1513-1572), os Reformadores da Segunda Geração; entre centenas de outros.

Reformar é necessário, e este era o lema de Calvino: “Igreja reformada, sempre se reformando”. Porém, é necessário entender que essa reforma não é inovação, modernização do conteúdo da fé, mas sim restauração do entendimento desse conteúdo, e isso implica em olhar para frente compreendendo o que a relação em Cristo nos legou. Assim, a questão não se impõe com novos métodos, mas sim com o velho método, que nos faz voltar sempre à Palavra, extraindo dela aquilo que de fato ela ensina. A Palavra é a referência, e assim deve permanecer.

Cremos que a vida cristã deve ser dirigida pela Palavra de Deus, por isso devemos produzir Reforma, e acima de tudo sermos reformados, a fim de viver plenamente. Essa foi a promessa de Deus e é o Seu desejo, conforme falou por Josué ao Seu povo: “Não cesses de falar deste livro da Lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem sucedido” (Js 1:8).

FONTES DE PESQUISA
http://www.tribunadovale.com.br/voce-na-tribuna/o-legado-da-reforma-protestante-500-anos-depois/2291856/
https://bereianos.blogspo.com.br/2013/06/legado-da-reforma-protestante.html

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